As cartas que escrevi pra mim em Paris.

Hoje eu acordei feliz
O que é estranho já que ontem amanheci chorando
Minha tatuagem recentemente feita lateja na minha pele
Com âmbito de se destruir.
Pode parecer meio solitário,mas hoje,percebi que vivi todo o dia sem mim.
Estive ausente de mim ao acordar, ao tomar o café da manhã,ao ir trabalhar, ao passear na volta para casa e ao deitar na minha cama.
Voltei a mim ciente de que eu podia me mover e respirar, sabendo de tudo que fizera naquele dia,inclusive o empurrão na velhinha da fila durante um assalto.
Pois bem,agora estou no corpo que me pertence.
Mundo de canal a todo momento, me stresso ,me irrito,tenho vontade de gritar de fúria,mas meu corpo estagnado não tem outro subterfúgio.Apenas mudo de canal e a chama furiosa toma conta de mim.
Vejo que piscar os olhos continuamente não me trarão o sono,e fingir que tem pessoas ao meu redor naquele quarto 11,e dialogar mentalmente com elas desfará a nostalgia que sinto de alguém que eu nunca tive ou conheci.
As folhas amassadas de papel estão espalhadas pelo carpete com as canetas estouradas tingindo toda sua confortabilidade,sinais das quantas vezes passeis minhas noites escrevendo cartas para mim, com carinho, escolhendo as palavras perfeitas que supostamente me alegraria.
Uma pena que pouco tinha para contar ,já que,mesmo fora de mim,sabia de cada passo que aquele corpo percorria cotidianamente.
Essa é a ultima carta.Minha mão lateja,os comprimidos estão logo ali.Vou matar a mim,e se tudo der certo,escreverei daqui a sete dias.

Abraços para mim mesmo


Fragmentos do livro "Enquanto a Chuva não vem",L.W.Ramos